sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Criado aparelho capaz de "velejar com a luz das estrelas"

Daqui a cerca de um ano, se tudo der certo, uma caixa do tamanho de uma fatia de pão se desprenderá de um foguete a uns 800 km sobre a Terra. Lá, no vácuo, ela vai desdobrar quatro velas triangulares brilhantes como o luar e só um pouco mais substanciais. Então, vai lentamente se erguer até os raios do sol e atravessar as estrelas.
A LightSail-1, como é chamada, não chegará à Terra do Nunca. Na melhor das hipóteses, o aparelho navegará algumas horas e ganhará alguns quilômetros de altitude. Mas essas horas serão o marco de um sonho quase tão antigo quanto a própria era dos foguetes e igualmente romântico: velejar o cosmo com o vento da luz das estrelas da forma que marinheiros há milhares de anos velejam o oceano com os ventos da Terra.
"Velejar com a luz é a única tecnologia que pode um dia nos levar às estrelas", disse Louis Friedman, diretor da Sociedade Planetária, uma organização mundial de entusiastas do espaço.
Na segunda-feira, enquanto a NASA ainda patinava em busca de um futuro para si, Friedman fez o anúncio de que a Sociedade Planetária, com ajuda de um doador anônimo, daria passos de bebê em direção a um futuro digno da ficção científica. Nos próximos três anos, a ONG vai construir e lançar uma série de espaçonaves de velas solares batizada de LightSail, primeiro em órbita da Terra e no futuro no espaço profundo.
As viagens são resultado de uma longa colaboração entre a organização e o Cosmos Studios, de Ithaca, Nova York, presidido por Ann Druyan, produtora de filmes e viúva do astrônomo e escritor Carl Sagan.
Sagan fundou a Sociedade Planetária em 1980 com Friedman e Bruce Murray, o então diretor do Laboratório de Propulsão a Jato. O anúncio foi feito no Hart, prédio de gabinetes do Senado em Washington, na comemoração do que teria sido o 75º aniversário de Sagan. Ele morreu em 1996.
Druyan, que chefia a arrecadação de recursos para o projeto de navegação da entidade, afirmou que velejar no espaço seria "um Taj Mahal" para Sagan, que adorava o conceito e o adotou como um símbolo do uso sábio da tecnologia.
Existe uma longa fila de visionários que nos remete aos pioneiros dos foguetes russos Konstantin Tsiolkovsky e Fridrich Tsander e ao escritor Arthur C. Clarke, que aprovava a ideia. "Velas são uma maneira maravilhosa de circular pelo universo¿, disse Freemann Dyson, do Instituto de Estudo Avançado em Princeton, Nova Jersey, e estudioso de longa data do futuro, "mas imaginar como torná-las factíveis exige muito tempo".
A navegação solar tem como força motor o simples fato de que a luz carrega não apenas energia, mas também momentum ¿ uma história contada por toda cauda de cometa, formada pela poeira soprada pela luz solar a partir do núcleo do cometa. A força sobre uma vela solar é gentil, se não débil, mas diferente de um foguete, que propele por alguns minutos no máximo, é constante.
Ao longo de dias e anos, uma vela grande o suficiente, com, digamos, 1,6 km de lado, poderia chegar a velocidades de centenas de milhares de quilômetro por hora, rápido o bastante para atravessar o sistema solar em cinco anos. Impelida pelo raio de um laser poderoso, uma vela poderia até mesmo fazer a jornada para outro sistema estelar em 100 anos, ou seja, dentro do espaço de tempo de uma vida humana.
A questão sobre se os humanos poderão um dia fazer essas viagens depende do brilho dos olhos de cada um sobre o futuro. Segundo Friedman, a navegação de humanos a lugares como Marte levaria tempo demais e envolveria exposição demais à radiação. Ele disse que os únicos passageiros de uma viagem interestelar - mesmo depois de mais 200 anos de desenvolvimento tecnológico - seriam provavelmente robôs ou talvez nossos genomas codificados em um chip, uma exigência da necessidade de manter a nave leve, como uma pipa cósmica gigante.
Em princípio, uma vela solar pode fazer tudo que uma vela regular faz, como mudar de direção. Diferente de outras espaçonaves, ela pode funcionar como uma máquina antigravitacional, usando a pressão solar para equilibrar a gravidade do Sol e, dessa forma, pairar a qualquer lugar do espaço.
E, é claro, ela não precisa carregar toneladas de combustível. Como o cantor e compositor de folk Jonathan Eberhart disse em sua canção "A Solar Priavateer":
(INÍCIO DA CANÇÃO)
Sem oxigênio líquido ou reatores, só uma milha de filme de poliéster. Sem decolagens barulhentas a sacudir o mastro, um vento calmo e verdadeiro. Apenas navegue de vento em popa como marinheiro de primeira viagem.
(FIM DA CANÇÃO)
Essas são as visões da longa guinada. "Pensem em séculos ou milênios, não décadas", disse Dyson, que também aprova o projeto da Sociedade Planetária. "Precisamos fazer coisas que sejam românticas", afirmou, acrescentando que ninguém sabe ainda como construir velas grandes e finas o suficiente para uma viagem séria. "É preciso conseguir um equipamento para desenrolá-las e estendê-las ¿ uma grande obra de engenharia que ainda não existe. Mas a diversão da tecnologia é o fato de ela ser imprevisível."
Em momentos esporádicos, muitos laboratórios da NASA estudaram as velas solares. Cientistas do Laboratório de Propulsão a Jato chegaram a considerar o envio de uma vela solar para acompanhar o Cometa Halley durante sua passagem em 1986.
Mas os esforços da agência têm diminuído enquanto busca recursos para manter o programa de voo tripulado funcionando, disse Donna Shirley, engenheira aposentada do laboratório e ex-presidente da junta diretora do Instituto de Conceitos Avançados da NASA. Segundo Shirley, a vela solar é factível e a única pergunta é: "Você quer gastar dinheiro?" Enquanto a tecnologia não for demonstrada, disse ela, ninguém a usará. O Japão continua com seu programa, e velas solares de teste foram lançadas de satélites ou por foguetes, mas ninguém foi tão longe quanto tentar navegá-las para algum lugar.
Friedman, que começou com a proposta para o Cometa Halley, busca há muito tempo lançar âncora no espaço. Um esforço da Sociedade Planetária e da Academia Russa de Ciências para lançar uma vela de cerca de 30 metros de lado, batizada de Cosmos-1, a partir de um submarino russo em junho de 2005 terminou com o que Druyan chamou de "nossa linda espaçonave" no fundo do Mar de Barents.
Druyan e Friedman estavam batalhando por dinheiro para um Cosmos-2 quando a NASA perguntou se a organização queria assumir um projeto menor conhecido como Nanosail. Com apenas 5,5 metros de lado, o projeto aumentaria o arraste atmosférico e, assim, auxiliaria satélites fora de órbita.
E, dessa forma, o LightSail nasceu. Sua vela, adaptada do projeto Nanosail, é feita de filme de poliéster revestido de alumínio com cerca de um quarto da espessura de um saco de lixo. O corpo da espaçonave consiste em três satélites em miniatura chamados de CubeSats, com 10 cm de lado, que foram desenvolvidos por alunos de Stanford e agora podem ser comprados na internet, entre outros lugares. Um dos cubos carregará a parte eletrônica e os outros dois as velas dobradas, explicou Friedman.
Montados em bloco, pesam menos de cinco quilos. "O hardware é a menor parte", disse Friedman. "Não dá para gastar muito em um sistema de 5 kg." O passo seguinte veio quando Friedman falava sobre o LightSail a um grupo de potenciais doadores. Um homem - "uma pessoa bem modesta e querida", nas palavras de Druyan ¿ perguntou sobre o custo das missões e então se comprometeu a pagar duas delas, e talvez uma terceira, se tudo corresse bem.
Depois da conversa, o homem, que não deseja ser identificado, de acordo com a organização, apareceu e pediu as informações bancárias da sociedade. Em poucos dias, o dinheiro estava na conta.
As missões do LightSail estarão separadas por um período de um ano, começando por volta do fim de 2010, com a programação exata dependendo da disponibilidade de foguetes. A ideia, segundo Friedman, é pegar carona no lançamento de um satélite comum. Vários foguetes americanos e russos são possibilidades de carona, disse ele.
Friedman afirmou que o primeiro voo, o LightSail-1, será um sucesso se a vela puder ser controlada por pelo menos uma pequena parte da órbita e der sinais de estar sendo acelerada pela luz solar. "Para o primeiro voo, qualquer coisa mensurável está ótimo", disse. Além disso, haverá uma câmera de arrasto para capturar o que Druyan chamou de "o momento Kitty Hawk".
O voo seguinte terá uma vela maior e vai durar vários dias, ganhando velocidade o bastante para subir dezenas ou centenas de quilômetros em sua órbita, explicou Friedman.
Para o terceiro voo, Friedman e seus colegas pretendem abrir as velas fora da órbita terrestre, com um pacote de instrumentos científicos para monitorar as emissões solares e alertar sobre tempestades magnéticas, que podem abalar o sistema elétrico e mesmo danificar a espaçonave.
O plano é lançar bases em um ponto onde as gravidades da Terra o do Sol se equilibram - chamado de L1, a cerca de 1.450 km da Terra -, um lugar comum para satélites científicos convencionais. Isso, reconhece ele, vai exigir um pequeno foguete, como os jatos de controle de altitude de ônibus espaciais, para sair da órbita terrestre, talvez frustrando puristas.
Mas, novamente, a maioria dos barcos a vela tem um motor para manobras pelo porto, que é como Friedman descreve a órbita da Terra. Como a direção do sol sempre muda, explicou, você fica ¿manobrando ao redor do porto quando precisa sair para o oceano". O oceano, disse ele, aguarda.

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